sexta-feira, 15 de maio de 2020



AJUDAR A IGREJA EM SUAS NECESSIDADES





Além dos Mandamentos da Lei de Deus, existem para os fiéis católicos os Mandamentos da Igreja, prescritos no Catecismo da Igreja Católica, que diz: “O caráter obrigatório dessas leis positivas promulgadas pelas autoridades pastorais tem como fim garantir aos fiéis o mínimo indispensável no espírito de oração e no esforço moral, no crescimento do amor de Deus e do próximo” (CIC, 2041).

Aqui não iremos tratar de todos, mas apenas do quinto mandamento que “recorda aos fiéis que devem ir ao encontro das necessidades materiais da Igreja, cada um conforme as próprias possibilidades” (CIC, 2045). Vemos que o Catecismo usa a palavra recordar, ou seja, é algo que nos foi transmitido de alguma forma, mas que pode cair num esquecimento, levando a deixar de lado um compromisso essencial com a Igreja, uma vez que dela fazemos parte pelo Batismo, formando um só corpo bem unidos no Senhor.

Nesse Tempo Pascal, fazendo a caminhada com a comunidade do Ressuscitado, vemos um testemunho muito bonito que era marca do compromisso da vida missionária: “Todos os fiéis viviam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam as suas propriedades e os seus bens, e dividiam-nos por todos, segundo a necessidade de cada um” (cf. At 2,44-45). A evangelização não se dá apenas com o anúncio verbal da Palavra, mas também pela solidariedade fraterna, o que está na essência da missão da Igreja, pois, guiados por suas leis vemos: “Os fiéis têm obrigação de socorrer às necessidades da Igreja, a fim de que ela possa dispor do que é necessário para o culto divino, para as obras de apostolado e de caridade e para o honesto sustento dos ministros” (Cân. 222 §1).

Há muitas maneiras de fazer essa oferta material, porém, uma das principais é o dízimo, prática que acompanha nossa história desde o Antigo Testamento (cf. Lv 27,30), quando o Povo de Deus ofertava a décima parte dos rendimentos ou das colheitas e rebanhos, como forma de agradecimento por tudo aquilo que haviam recebido do Senhor, tornando visível a comunhão com Deus, que gratuita e generosamente, lhes oferecia seus dons.

Outra dimensão importante é o que chamamos de justiça social, ou seja, “(os fiéis) têm também a obrigação de promover a justiça social e, lembrados do preceito do Senhor, socorrer os pobres com as próprias rendas” (Cân. 222, §2). Nosso olhar se volta novamente para os Atos do Apóstolos, quando nos diz, que “nem havia entre eles nenhum necessitado, porque todos os que possuíam terras ou casas vendiam-nas, e, tudo o que arrecadavam repartiam de acordo com a necessidade de cada um” (cf. At 4,34). Portanto, a justiça social se realiza quando damos o que o outro necessita, não apenas dando o que nos sobra, fazendo dessa oferta uma ação de graças, pois, não guardando nada para si, recebemos os tesouros mais preciosos que são a graça, o amor, a justiça e a misericórdia de Deus.

Nesse tempo de pandemia, temos visto muitos gestos de solidariedade, seja com o dízimo ou outras ofertas em nossas comunidades paroquias, seja também a partilha de mantimentos para socorrer tantos irmãos e irmãs que têm menos do que nós, levando-nos a admiração destes gestos, como Jesus se admirou quando viu entrar no Templo uma viúva que ofereceu tudo o que tinha, as suas duas moedinhas (Lc 21,2). 

Pe. Ricardo Nunes
(Artigo publicado na Revista Caminhando - Maio/2020 - Diocese de Nova Iguaçu)

quarta-feira, 29 de abril de 2020


OUTONO ESPIRITUAL


          Era uma tarde de domingo, Festa da Divina Misericórdia, diante de Jesus Sacramentado, eis que no meu coração uma voz sussurrava: “Meu filho, eis que estou dando ao mundo inteiro, a graça de experimentar um outono espiritual, onde parece que tudo está perdido e não existe vida, porém, misteriosamente estou agindo na humanidade inteira; não tenhais medo, pois estou preparando uma grande primavera, para renovar todas as coisas”.

Naquele momento compreendi que este tempo de pandemia, embora seja de muitas provações, tem sido também a experiência do kairós (o tempo de Deus) na nossa vida. Àquele tempo que nós muitas vezes não conseguimos experimentar, pois no corre-corre diário, pensamos no nosso tempo (krónos), sobretudo das inúmeras maneiras de não o perder, pois como dizem alguns: “tempo é dinheiro”.

O que acontece no outono? Os dias são mais curtos, a temperatura é amena, os frutos e folhas começam a cair; tempo que começamos a relaxar um pouco, curtir as tardes mais frescas, com uma brisa leve que nos traz um certo grau de nostalgia, até mesmo levando a sentir saudade de coisas velhas, que há tanto tempo deixamos para trás, correndo o risco de levar a vida em “banho-maria”, caindo na mornidão – porém, o Senhor nos adverte: não seja morno (cf. Ap 3,16) – o que pode levar à indiferença da fé, duvidando, até mesmo, do cuidado de Deus.

Temos nos encontrado menos, reunindo pequenas assembleias (reais) ao lado de uma grande assembleia (virtual), sem deixar de ser uma Igreja viva e atuante, contudo, temos sentido, ao mesmo tempo, um entusiasmo da parte de alguns e o desânimo por parte de outros. Vidas estão sendo ceifadas por um vírus, sonhos estão deixando de existir, interrupções rápidas nas páginas da história, e o que isso tem nos ensinado? Não é tempo de desanimar, haverá um recomeço e nós veremos como Deus foi generoso quando as belas folhas começarem a aparecer, os frutos mais saborosos forem colhidos e juntos cantarmos as maravilhas do Senhor, que não se esqueceu do seu povo amado.

Outono é tempo de podar, de limpar, de tirar o que atrapalha, porém, a melhor poda é aquela que não se faz; que não se faz por nossas mãos, mas pelas mãos de Deus que tudo criou e tudo fará novo de novo. Na natureza não há poda, as plantas, pequenas ou grandes, crescem e se renovam no passar do tempo, assim temos visto, se acompanhamos todas as notícias (não somente as ruins) que os mares estão mais limpos, os animais andam com mais liberdade em espaços urbanizados, o índice de poluição diminuiu e, até mesmo, um buraco na camada de ozônio está se fechando.

Qual foi nossa colaboração diante de tudo isso? Não ter feito nada, deixando Deus – o grande artesão – fazer a parte dele. Quando foi que imaginamos que poderíamos ajudar a salvar a humanidade não fazendo nada, apenas cumprindo um isolamento social, deixando Deus ser Deus e nada mais? Pois é, assim estão sendo escritas as novas páginas da história da humanidade, fazendo-nos ver que, por mais importante que seja aquilo que fazemos, nós nunca teremos em nossas mãos o poder de Deus, pois só ele faz cumprir o que diz a Escritura: “Para tudo há um tempo, para cada coisa há um momento debaixo do céu...” (Ecl 3,1).

Contudo, “lembra-te do teu Criador nos dias da tua juventude, antes que venham os maus dias...” (Ecl 12,1) – parafraseando, lembra-te de Deus no outono, antes que chegue os dias de inverno – pois o Senhor quer te refazer, por inteiro, sem deixar nada, absolutamente nada, sem ser tocado pela sua graça.

Pe. Ricardo Nunes

terça-feira, 21 de abril de 2020


DOM DAS LÁGRIMAS





Em meio ao caos duma pandemia, privados de tantas coisas, como encontros familiares e religiosos (missas e demais propostas oracionais), vemos pessoas profundamente abaladas, sofrendo imensamente por estarem “obrigadas” – por um vírus – a viverem o distanciamento social, acarretando (ou aumentando) doenças emocionais como ansiedade e depressão, vemos surgir “dentro” da própria Igreja, falas condenatórias, julgando pessoas que se tornam capazes de chorar na presença de Deus, estando elas nos “eventos da igreja”, como cita um artigo que está ganhando popularidade nas redes sociais, sobretudo entre os padres e religiosos.

No artigo se apresenta, primeiramente, o choro como “sinal de que uma pessoa foi intimamente tocada por Deus”, porém, logo abaixo cita o mesmo artigo: “como o diabo tem a capacidade de perverter e macaquear todas as coisas, ele tem usado e abusado do chororô para enganar muitos católicos”.

A CNBB lançou, para este momento que estamos vivendo, um projeto que tem como tema: “É tempo de cuidar!”, sim, precisamos cuidar, fazendo um profundo discernimento caso por caso, percebendo que isso pode levar sim a uma histeria coletiva, mas sem generalizar. Se isso acontece nas nossas comunidades eclesiais, ao invés de julgar como uma possível “ação do diabo”, o remédio indicado é estender as mãos e ajudar aquela pessoa a encontrar, dentro de si, quais são as motivações que a levaram a derramar suas lágrimas naquele “evento” da Igreja (seja uma Missa, uma Adoração Eucarística, um retiro, etc.). Talvez, aquele lugar fosse o mais seguro, longe de conhecidos, que ela encontrou para poder chorar suas dores, suas mazelas, seus pecados. Será que depois dessa pandemia não teremos muitos cristãos chorando em nossas celebrações, sendo momento de reencontro com Cristo na Eucaristia e nos irmãos? Será que estarão macaqueando, movidos pelo diabo?

Para alguns que desconhecem essa informação, o dom das lágrimas é um dos mais antigos da Igreja Primitiva e se olharmos calmamente a Sagrada Escritura veremos inúmeros exemplos, sendo este dom um caminho que leva o pecador a ser lavado de seus pecados, impulsionando a uma verdadeira e sincera conversão, alcançando consolação.

Vejamos, portanto, algumas citações:

·       “Bem aventurados os que choram, porque serão consolados” (Mt 5,4);

·       “Ele enxugará toda lágrima de seus olhos...” (Ap 21,4);

·       “Tempo de chorar e tempo de rir” (Ecl 3,4);

·       “Digo que certamente vocês chorarão e se lamentarão, mas o mundo se alegrará” (Jo 16,9);

·       “Alegrem-se com os que se alegram; chorem com os que choram” (Rm 12,15);

Esses são alguns, como disse acima, de inúmeros outros exemplos, como temos, ainda, a cura de Ezequiel que, ao se colocar em oração na presença de Deus “chorava abundantemente” (Is 38,3).

O dom das lágrimas, se não o temos, podemos e devemos pedir a Deus, como ensina São Simeão: “Devemos começar nossa oração implorando de Deus o dom das lágrimas”, e ao receber esse dom, não apenas os olhos choram, mas também o coração, que tantas vezes machucado, encontra numa celebração ou outros encontros de oração, ajudados pela Palavra de Deus a oportunidade de colocar para fora suas dores e ressentimentos. Por mais envolventes que sejas as palavras do pregador, é a Palavra de Deus que penetra o coração das pessoas.

Numa homilia na casa Santa Marta no dia 25 de maio de 2018, o Papa Francisco diz: “Trouxeram de Siracusa a relíquia das lágrimas de Nossa Senhora. Hoje estão aqui, e rezemos a Nossa Senhora para que nos conceda a nós e também à humanidade, que dele precisa, o dom das lágrimas para que possamos chorar: pelos nossos pecados e pelas tantas calamidades que fazem sofrer o povo de Deus e os filhos de Deus”. O Santo Padre reconhece que as chorar é dom de Deus, o dom das lagrimas é um presente de Deus.

Como pastores zelosos do Povo de Deus, precisamos ir ao encontro e tocar a vida das pessoas “que choram nos eventos da Igreja”, talvez nem seja fruto da intimidade com Deus, da escuta da Palavra e nem mesmo ação do diabo, mas simplesmente por desgosto de estar ali num ambiente frio, dividido, sem ação do Espírito, ali onde deveria ser lugar de encontro com Deus, anunciado pela Palavra e mostrado vivo e real na Eucaristia, levando as pessoas a reconhecerem – como os discípulos de Emaús – “não ardia o nosso coração...?”

Bem-aventurados (felizes) os que choram! “Penso em muitas pessoas que choram: pessoas isoladas, pessoas em quarentena, os anciãos sós, pessoas internadas e as pessoas em terapia, os pais que veem que, como falta o salário, não conseguirão dar de comer aos filhos. Muitas pessoas choram. Também nós, em nosso coração, as acompanhamos. E não nos fará mal chorar um pouco com o pranto do Senhor por todo o seu povo” (Papa Francisco, 29 de março de 2020). Se você estiver sozinho em casa, chore; se estiver no transporte público, chore; se estiver num “evento da igreja”, chore; a ninguém pode se privar desse direito, pois é dom de Deus.


Peçamos a graça de chorar!



Pe. Ricardo Nunes

sábado, 4 de abril de 2020


O que realmente tem valor!






Estamos vivendo uma pandemia mundial e agora “demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados” (Papa Francisco, 27.03.2020), porém, esse tempo tem sido importantíssimo para todos nós, pois estamos redescobrindo o valor de muitas coisas. Vivemos num mundo que gira cada vez mais rápido, estamos todos correndo contra o tempo, multiplicando nossos afazeres, chegando ao ponto de reconhecer que fazemos parte do grande número que forma hoje a “sociedade do cansaço”, deixando-nos mover pela rotina que criamos, mantendo-nos totalmente ocupados, como nos diz Dom José Tolentino: “De repente, a rotina substitui-se à própria vida. Quando tudo se torna óbvio e regulado, deixa de haver lugar para a surpresa. Cada dia é simplesmente igual ao anterior” (A mística do instante, p. 17).

              Tudo que antes parecia normal, depois de havermos criado nossa rotina, sabendo muito bem, nos mínimos detalhes, o que devemos fazer cada dia, fomos tomados por uma surpreendente notícia, que havia um “inimigo invisível” nos fazendo prisioneiros dentro de nossas próprias casas, fechados naquele espaço físico que se tornou, simplesmente, para muitos, um lugar de passagem, onde apenas comiam, dormiam, se trocavam, mas não viviam. Os nossos lares foram se tornando lugares pouco frequentados, pois vivendo no corre-corre, quase não encontramos tempo para usufruir do que construímos.

              Num instante aprendemos a dar mais valor para a família, criaram-se espaços de convivência, construíram altares para orações, fazendo-se multiplicar o número de comunidades, as quais chamamos Igreja Doméstica. “O tempo da família, sabemos bem disso, é um tempo complicado e cheio, ocupado e preocupado. É sempre pouco, não basta nunca, há tantas coisas a fazer. Quem tem uma família aprende a resolver uma equação que nem mesmo os grandes matemáticos sabem resolver: dentro das vinte e quatro horas se faz o dobro! Há mães e pais que poderiam vencer o Nobel, por isso. De 24 horas fazem 48: não sei como fazem, mas se movem e o fazem! Há tanto trabalho em família!” (Papa Francisco, Catequese sobre a oração em família, 26.08.2015).

              Aprendemos a dar mais valor à Igreja, à Eucaristia e aos demais sacramentos. Quanta falta sentimos de participar de uma celebração eucarística, de ir à igreja para uma oração comunitária ou mesmo pessoal. Mas quantas vezes passamos em frente à igreja, vemos suas portas abertas como os braços de Deus querendo nos abraçar e não corremos ao seu encontro para ali receber o alento para nossas dores, o perdão para nossos pecados, o sustento que nos faz voltar à vida com mais confiança, pois sabemos que temos um Deus que não se esquece de nenhum de nós. De acordo com o documento 43 da CNBB, cerca de – 70% das comunidades no Brasil não têm acesso à Celebração Eucarística – presidida por um ministro ordenado. Muitas delas se encontram em regiões distantes que não permitem aos fiéis irem a uma igreja. E nós, inúmeras vezes deixamos de ir à missa, seja por relaxamento ou por trabalho, sem nos darmos conta de quanto nos faz falta deixar de comungar, hoje sabemos, infelizmente estamos privados das celebrações públicas, onde os fiéis são orientados a “participarem” ativamente das Missas transmitidas pela TV ou outros meios de comunicação, fazendo naquele momento a sua comunhão espiritual, experiência presente na Igreja, mas pouco compreendida. “Não poder receber a Eucaristia não significa não poder predispor a acolher Jesus com o coração” (Artigo publicado no site vaticannews.va – 02.04.2020). Rezamos, com desejo ardente, que passe logo essa pandemia e nos encontremos para uma grande celebração de ação de graças.

               Vivemos também nesse tempo um olhar mais atento aos profissionais da saúde, tantas vezes incompreendidos e desvalorizados, que não estão medindo esforços para socorrer as vítimas do coronavírus. No Juramento de Hipócrates feito pelos médicos, vemos com quanta grandeza querem viver sua vocação: “Prometo solenemente consagrar a minha vida ao serviço da Humanidade. Darei aos meus Mestres o respeito e o reconhecimento que lhes são devidos. Exercerei a minha arte com consciência e dignidade. A Saúde do meu Doente será a minha primeira preocupação” (Versão de 1983). A estes profissionais a nossa eterna gratidão, mas devemos também nos perguntar: quem valor eles têm para a minha vida?

              Se grande é o número daqueles que se dedicam a cuidar das doenças físicas, grande também é o número dos que foram chamados ao cuidado das almas,  trazendo presente os sacerdotes (padres e bispos), religiosos e religiosas que foram vítimas do coronavírus, pois estiveram na linha de frente dessa “guerra” cuidando de seus fiéis. Já é incontável o número de padres e consagrados que fizeram a oferta de suas vidas nestes meses de pandemia, trazendo gravadas no coração as palavras do Apóstolo: “Agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo em minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Cl 1,24). Aprendamos, com isso, a dar mais valor aos sacerdotes, que não são super-homens, mas se desdobram para não deixar faltar o necessário para o seu povo. Valorizemos ainda mais os consagrados, pois não são “funcionários qualificados” para a Igreja, mas pedras vivas nessa construção do Corpo de Cristo.

              Por fim, estamos aprendendo a dar mais valor à vida, vida que não nos pertence, mas é Dom de Deus, “pois antes que no seio materno fosses formado, eu já te conhecia; antes de teu nascimento, eu já te havia consagrado...” (Jr 1,5). Essas são palavras de amor de um Deus que nos pede a ter mais atenção por si e pelos outros, pois somos Seus, obras nascidas das mãos e do coração de um Deus eternamente apaixonado pela humanidade.

Estamos todos no meio de uma grande tempestade, como nos recordou o Papa Francisco, diante de uma Praça vazia e ao mesmo tempo tão cheia, naquele evento histórico, concedendo-nos a sua Bênção Apostólica – Urbi et Orbi (à Cidade de Roma e ao Mundo): “A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade. A tempestade põe a descoberto todos os propósitos de ‘empacotar’ e esquecer o que alimentou a alma dos nossos povos; todas as tentativas de anestesiar com hábitos aparentemente ‘salvadores’, incapazes de fazer apelo às nossas raízes e evocar a memória dos nossos idosos, privando-nos assim da imunidade necessária para enfrentar as adversidades [...] Na nossa avidez de lucro, deixamo-nos absorver pelas coisas e transtornar pela pressa. Não nos detivemos perante os teus apelos, não despertamos face a guerras e injustiças planetárias, não ouvimos o grito dos pobres e do nosso planeta gravemente enfermo. Avançamos, destemidos, pensando que continuaríamos sempre saudáveis num mundo doente. Agora nós, sentindo-nos em mar agitado, imploramos-Te: ‘Acorda, Senhor!’”.



 Pe. Ricardo Nunes

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2020


ONDE ESTÁ O TEU IRMÃO?

 

Estamos no tempo quaresmal, convidados a um exame mais aprofundado da nossa consciência e, assim, chamados a uma experiência ainda maior da misericórdia de Deus, escolhendo como tema para este artigo o questionamento de Deus a Caim, logo após ter assassinado o seu irmão. A causa do assassinato? Inveja. 

Deus olhou para Abel e sua oferta, que era feita de coração e com atitude de gratidão e não, não simplesmente para mostrar que poderia oferecer o melhor e se vangloriar disso, como diz Santo Tomás de Aquino: “(Deus) olhou mais para o oferente que para a sua oferenda, porque a oblação é aceita em virtude da bondade do oferente...” O invejoso se irrita e se abate diante do sucesso do outro, mesmo que seja seu irmão. Excita sentimentos de ódio: corre-se risco de odiar aqueles de que se tem inveja ou ciúme, e, por consequência, de falar mal deles, de desacreditá-los, caluniar ou de lhes desejar mal. “A inveja assemelha o homem a Satanás” (Frei Pedro Sinzig).

Quantas vezes nós também somos alvos de inveja, pois nos colocamos diante de Deus de coração puro e realizamos nosso ministério, não se apoiando em méritos pessoais, mas com o coração cheio de ação de graças, pois reconhecemos a cada dia como São Paulo: “Sou o que sou pela graça de Deus” (1Cor 15,10). Tantas vezes vemos gerar disputas dentro do âmbito comunitário, numa luta desenfreada do “quem faz melhor”, só para serem vistos, porém, devemos nos alertar com o que Jesus nos diz no Evangelho da Quarta-feira de Cinzas: “não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita” (Mt 6,3). Somos muitas vezes influenciados pelo espírito de competição que toma conta da sociedade e que reflete dentro da Igreja, criando estruturas apodrecidas por causa desses males que se infiltram e destroem a essência da vida eclesial.

Será que existe esta consciência, de que formamos, pelo batismo, uma só família e somos todos irmãos? Somos todos irmãos, pois um só é o nosso Pai. Aquele com quem Jesus manteve uma profunda intimidade ao longo de toda a sua vida e que carinhosamente chamava de ‘Abá’ (paizinho). Era encantador o modo como Jesus se dirigia ao Pai, tanto que despertou no coração de seus discípulos o desejo de rezar como ele rezava e ensina o ‘Pai-nosso’, que era, simplesmente, a oração do coração de Jesus. Uma oração que nos faria muito bem meditar ao longo da Quaresma, pois nos faz experimentar sempre mais o amor de Deus e se abrir para amar mais os irmãos, com um olhar de compaixão e misericórdia, como nos propõe a Campanha da Fraternidade – 2020: “Para uma verdadeira mudança de vida, precisamos aprender a configurar nosso olhar o de Jesus, com o olhar do Bom Samaritano” (Texto Base, n. 26).

A resposta de Caim a Deus é bem dura e insensível: “Não sei. Acaso sou guarda do meu irmão?” a inveja, o ciúme e o ódio, corroeram o coração de Caim, tornando-o insensível a dor e a morte de seu irmão, levando-o a indiferença em relação com alguém que era sangue do seu sangue. Tudo isso sufocou o amor, que é o elo que une afetiva e efetivamente as pessoas. Amar significa saber onde estão aqueles que precisam de cuidado e proteção, aqueles que estão nas vias marginais da sociedade, mas também do nosso coração. “Pergunte a si mesmo se o seu coração não endureceu, se não se tornou gelo. (...) A misericórdia, diante de uma vida humana em situação de necessidade, é a verdadeira face do amor” (Papa Francisco).

Somos todos irmãos, mas não somos todos iguais, e, o caminho para a fraternidade passa pelo reconhecimento da diversidade. Caim não aceitou ser diferente do irmão e Abel não se livrou da ira de Caim, mas que Deus nos livre dos “Cains” de hoje, que tantas vezes querem, com sua ira, nos devorar.

Por fim, caro leitor, medite sobre suas relações, primeiro com Deus, sendo ela base para o seu relacionamento com todos e abra seus ouvidos e coração, pois o Senhor também quer lhe perguntar: “Onde está o teu irmão?”



Pe. Ricardo Nunes


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020




O DILEMA DAS TRANSFERÊNCIAS



Sempre que se propõe transferências de padres e diáconos, começam os questionamentos acerca da necessidade dessa ação, sobretudo apresentando os resultados do bom trabalho que está sendo realizado e, por isso, mereciam ficar um pouco mais naquela paróquia, onde todos já estão “acostumados” com seu trabalho. Aqui apresento um primeiro e grande problema, ou seja, o acostumar. Corremos o risco de cair no comodismo e as ações pastorais não evoluírem como deveriam, pois criamos um ritmo de trabalho que nos faz pensar que não precisa mudar mais nada, apenas manter o que já está planejado ou repetir ações anteriores que deram certo. Mas se vivemos em constante mudança, se a humanidade evolui, vendo que o que somos hoje não é o que éramos ontem, qual a razão de querer na vida pastoral sustentar a bandeira do “vamos deixar como está” ou “time que está ganhando não se mexe”?


Outro ponto importante a se refletir é o afeto, a proximidade que se cria entre o povo e o padre ou diácono, porém, devemos fugir do perigo dos relacionamentos possessivos, como nos diz Dom José Carlos (Bispo de Divinópolis): “Normalmente, e isso é humano e bom, criam-se amizades fortes e importantes com o padre durante o tempo, curto ou longo, de permanência, mas não se pode esquecer que o padre não é “seu” ou “nosso”, mas é da Igreja, da Diocese e colaborador do bispo. Isso não é arbitrário, é da natureza da nossa vocação sacerdotal e episcopal”.


A Igreja tem suas leis e estas devem ser aplicadas, assim, vemos que o Código de Direito Canônico apresenta sobre o exercício ministerial: “É necessário que o pároco tenha estabilidade e, portanto, deve ser nomeado por tempo indeterminado; só pode ser nomeado pelo Bispo diocesano, por tempo determinado, se isto for admitido por decreto pela Conferência dos Bispos” (cân. 522). Embora goze de estabilidade, isso não significa que, numa necessidade, seja pedido que o padre assuma o ofício de pároco ou outro ofício numa nova paróquia.


Recordo, ainda, que as transferências estão no centro da missionariedade da Igreja, que nos convida a viver o cuidado do seu todo, não apenas com uma parcela especifica do Povo de Deus, embora sejamos destinados por ofício a cuidar de uma paróquia, temos quer ter a consciência de Jesus que disse: “Também é necessário que eu anuncie a outras cidades o evangelho do reino de Deus; porque para isso fui enviado” (Lc 4,43). A messe continua sendo grande e necessitada de muitos e bons trabalhadores, onde cada um que acolhe o convite de Jesus para o ministério ordenado deve-se reconhecer como trabalhador dessa messe que não está num endereço específico, mas que chega aos confins do mundo.


Por fim, precisamos entender que ninguém é insubstituível, embora seja muito bom o trabalho que estejamos realizando, outros farão outras coisas ou até as mesmas, mas de outro jeito. Porém, precisamos entender que tudo passa. Passam até mesmo afetos que achávamos que seriam eternos, ficando para trás cargos e títulos, permanecendo apenas os bons exemplos e o testemunho de amor a Deus e à Igreja. Termino com uma frase do Papa Francisco que deve nos ajudar, sobretudo, numa reflexão pessoal: “É preciso visitar os cemitérios para ver os nomes de tantas pessoas que se consideravam imunes e indispensáveis” (Discurso aos prelados da Cúria, dezembro de 2014). 

Pe. Ricardo Nunes
(Artigo publicado na Revista Caminhando - Diocese de Nova Iguaçu, fev.2020)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020


Leis para quem?




Há na Igreja um grande número de fiéis que questionam sobre a aplicação das leis, sobretudo, em algumas questões que não pretendem resolvê-las e, portanto, querem que a Igreja se adeque ao seu estado de vida.

Pelo batismo somos incorporados a Cristo, constituindo, assim, o Povo de Deus, onde todos devem se empenhar para cumprir a missão própria que o Senhor nos confiou (cf. Cân 204). Vemos, com isso, que fazemos parte de um único corpo, onde Cristo é a cabeça, portanto, devemos nos deixar conduzir por Ele, uma vez que decidimos livremente permanecer unidos a ele.

Uma vez batizados na Igreja Católica, estamos sujeitos à lei que nela vigora, para que sejam setas a nos apontar o caminho da salvação, como expressa o último cânon do Código de Direito Canônico: “a salvação das almas que, na Igreja, deve ser sempre a lei suprema” (Cân. 1752). Aqui sempre se apresenta um ponto de contestação quando não há aprofundamento na doutrina da Igreja a que pertence. Muitos cristãos católicos desconhecem os pilares que sustentam a vida e missão da Igreja Católica e ignoram sua história em vista de soluções imediatas para seus problemas. Três pilares nos sustentam, que são: Sagrada Escritura: as escrituras sagradas ou Bíblia como conhecemos constituem o pilar da revelação direta e histórica da vida de Cristo; a Tradição onde temos um dos pilares mais fortes e inesgotáveis, ela nos trouxe verdades de fé a complementar a bíblia, através dos costumes e escritos dos primeiros cristãos; no Magistério temos a autoridade transferida aos apóstolos e ao Primado petrino, o Papa.

Se lemos atentamente a Palavra de Deus, veremos que até mesmo Jesus esteve sujeito a Lei, embora alguns o acusassem dizendo que ele veio para aboli-la, ao que ele responde que veio para lhe dar pleno cumprimento.

A liturgia da Festa da Apresentação do Senhor nos mostrou que também os pais de Jesus são cumpridores da Lei. Nem Maria nem Jesus tinham necessidade de cumprir os ritos se olhamos pela ótica da graça que agia na vida deles: Maria concebida sem pecado e Jesus o Ungido do Pai. O rito prescrito era que a mãe, após o parto, precisava passar por um rito de purificação e Maria foi como todas as outras mulheres judias, pois, embora fosse ela “bendita entre todas as mulheres”, nunca lhe atribuiu regalias por ser a mãe do Filho de Deus. Cumpria fielmente suas obrigações, com piedade e devoção, obedecendo a Deus e cumprindo a lei.

Jesus, o consagrado-ungido do Pai, não tinha “necessidade” de ser apresentado no Templo, pois estava prescrito “que todo primogênito deveria ser consagrado a Deus”, porém, foi levado para se escrituras como disse o profeta Malaquias: “logo chegará ao seu templo o Dominador” (Mal 3,1) e também mostrar que ele, mesmo sendo Filho de Deus, nascendo segundo a carne estava sujeito a lei.

Portanto, devemos, por estes exemplos, refletir sobre a razão do nosso “estar na Igreja”, de ter recebido os sacramentos, de me “tornar” membro de uma comunidade cristã e, mesmo assim, não me sentir Igreja, querendo da Igreja apenas os direitos, mas sem cumprir suas obrigações. Se todos que reclamam direitos estivessem comprometidos com a construção do Reino, o anúncio do Evangelho já tinha chegado a muitas outras pessoas que ainda não ouviram falar de Jesus. Quantas pessoas buscam privilégios na Igreja, relaxamento das leis ou o famoso “jeitinho”? Ninguém é obrigado a estar na Igreja, mas uma vez que nela entramos pela porta da frente que é o batismo, devemos buscar conhecer suas estruturas, suas normas e preceitos, fazendo-se assim, um membro vivo de corpo de Cristo, aplicando as leis não só aos outros, mas a nós mesmos.



Pe. Ricardo Nunes


AJUDAR A IGREJA EM SUAS NECESSIDADES Além dos Mandamentos da Lei de Deus, existem para os fiéis católicos os Mandamentos da Ig...